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Foto: FolhaPE |
"Um jornalista que escrevia e vivia a política"
Morreu, ontem, aos 74 anos, em Bonito, sua Pasárgada, o jornalista Zadock Castelo Branco. Não sei se o Castelo Branco é do mesmo tronco de Carlos Castelo Branco, o Castelinho, o maior de todos os monstros sagrados do jornalismo político. Mas entre eles, provavelmente pela mesma origem, alguns traços se confundiam: estatura pequena, inquietude e raro faro jornalístico. Como Castelinho, que saiu do Piauí para virar celebridade nacional, Zadock foi celebridade em nossa província.
Mas uma celebridade pelo dom de fazer a notícia, vivenciar todas as suas instâncias até chegar aos leitores e dela extrair lições e ensinamentos. Zadock conviveu com os mais importantes políticos de Pernambuco, de Moura Cavalcanti, no período da ditadura, aos mais recentes governadores, como Eduardo Campos, a quem tratava de Dudu. Fez intrigas, como todo bom repórter, mas fez sobretudo as intrigas do bem.
Zadock era capaz de aproximar políticos que pareciam irreconciliáveis. Trabalhei com ele no Diário de Pernambuco e lembro de muitos episódios assim. Certa vez, ele chegou para Miguel Arraes e disse que Joaquim Francisco, que atuava em campo oposto, brilhava os olhos diante dele quando fazia referências a ele - Arraes. Dois dias depois, Arraes e Joaquim se encontraram para quebrar o gelo - Joaquim eleito prefeito do Recife e Arraes governador. A ponte havia sido alicerçada por Zadock. Ele era assim: pacificador e conciliador.
Zadock era repórter de política, contador excepcional de causos políticos e historiador nato, memória de elefante. Fazia as grandes coberturas sem anotar uma só palavra. Decorava frases antológicas de políticos e tinha sentimentos que extravasam em seus textos, que eram um primor, com conteúdo e história. Divertido e bem-humorado, Zadock gostava de apelidar os políticos. Arraes era o mito, Joaquim, a baraúna, Moura, o coronel. Roberto Magalhães, pavio curto. Eduardo Campos, Dudu Beleza. Só me chamava de magnânimo. O jornalismo pernambucano empobrece com a morte de Zadock, que tinha outras virtudes: ninguém fazia prognósticos mais certeiros, gostava de fazer previsões nas eleições proporcionais com base no coeficiente eleitoral. Mas certa vez, enviado especial do DP a Petrolina, cometeu uma loucura.
Naquela época, com apuração manual, que durava até três dias, Petrolina contava um a um os votos de uma disputa acirrada entre Fernando Bezerra e Henrique Cruz, candidato inventado pelo então prefeito Guilherme Coelho. Na reta final, Zadock apostou nos seus prognósticos, nas somas das urnas ainda a ser apuradas, e apostou na vitória de Henrique. O jornal noticiou Henrique eleito antes da contagem final. Resultado: Fernando virou o jogo nas últimas urnas e foi eleito. Mas o jornal já havia apostado na tabulação apressada de Zadock.
Zadock tinha assim momentos de loucura, mas quem não tem também? Mas Zadock tinha em excesso o que falta hoje a muitos jornalistas das usinas de faculdade; paixão e vocação. Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Zadock tinha o orgasmo do furo, nasceu para isso e esteve o tempo todo disposto a viver só para isso. Não tinha um instante de paz, inquieto em busca dos furos. Para ele, jornalismo era como se fosse um fio, que liga as pessoas ao mundo. Existem dias em que o jornalismo registra fatos que, no futuro, serão contados nos livros - e serão guardados por gerações.
Zadock escreveu um pouco da nossa história. Quem forma em jornalismo, hoje, não quer mais fazer jornalismo. Quer virar celebridade. Zadock não era assim. Gosto dos jornalistas como ele, porque jornalista é como vinho: a capacidade se mede pelo tempo.
Magno Martins
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